No sexto episódio do Podcast “Museu e histórias”, a equipe de Comunicação conversa com as historiadoras Aline Montenegro e Isabel Lenzi, que atuam no Núcleo de Pesquisa e no Arquivo Histórico do MHN, respectivamente.
Na conversa, as historiadoras contam como esse acervo foi sendo formado, desde a criação do museu em 1922; sobre a presença de itens do acervo no livro “História do Rio de Janeiro em 45 objetos” (FGV Editora/Jauá Editora/Faperj), lançado no ano passado, e ainda propõem um olhar sobre a preservação da memória histórica em tempos de pandemia. Confira abaixo a transcrição da entrevista – que você pode ouvir gratuitamente em nosso perfil no Spotify ou no Google Podcasts.
Aline, além de ser um museu de caráter nacional, o MHN tem também um caráter local, pois preserva muitos itens relacionados à história da cidade do Rio de Janeiro. Você poderia contar pra gente como esses objetos foram sendo integrados ao acervo do museu?
AM – O Rio teve durante um longo tempo um papel central na história do Brasil, pois abrigou a sede da colônia, a capital do Reino Unido, a corte no Império e o Distrito Federal até 1960, quando foi transferido para Brasília. São 200 anos de protagonismo político e cultural. O Rio de Janeiro sempre foi uma cidade cosmopolita, por aqui circulavam pessoas de tudo que é lugar. Não podemos esquecer que a paulista marquesa de Santos, o baiano Rui Barbosa e o cearense Gustavo Barroso, que foi o primeiro diretor do MHN, migraram para cá e aqui viveram constituíram carreira…
É uma cidade onde o regionalismo passa longe. Se a gente sair da política e for para a cultura, vamos encontrar também gente de todos os cantos do país por aqui. A título de exemplo, os maranhenses Artur e Aluísio de Azevedo, o paulista Cândido Portinari e a baiana tia Ciata, etc…Enfim, muitos objetos do acervo do MHN dizem respeito ao mesmo tempo à história da cidade e do Brasil, que são histórias imbricadas.
E, como na época da criação do MHN, o Rio era capital, e a instituição foi instalada no Rio, essa coleção foi sendo formada primeiramente por transferência de outras instituições de âmbito nacional, mas também sediadas na capital – como Biblioteca Nacional, Arquivo Nacional e Museu Nacional. E essa coleção foi sendo ampliada por meio de doações, compras e até coleta direta de funcionários da instituição.
Isabel, no ano passado foi publicado o livro “História do Rio de Janeiro em 45 objetos” e você é uma das organizadoras – ao lado de Paulo Knauss e Marize Malta. Conta pra gente como surgiu a ideia da publicação – cuja primeira impressão inclusive esgotou rapidamente…
IL–A Ideia surgiu do livro “A história do mundo em 100 objetos”, publicado pelo Museu Britânico. Durante minha licença para o doutorado, esse livro foi parar na minha casa porque meu marido foi um dos tradutores. Fiquei encantada com o livro e pensei que quando acabasse minha licença tentaria fazer algo parecido com os museus do Ibram. Bem, um dia estava num encontro com Paulo Knauss e a Marize Malta e chegou a notícia que a Faperj ia lançar um edital para publicações sobre o Rio – no ano seguinte a cidade ia fazer 450 anos!
Foi a deixa para fazermos o projeto, que acabou sendo aprovado. Mas com a crise econômica que afetou o Estado do Rio, afetou também a Faperj [Fundação de amparo à pesquisa do Estado do Rio de Janeiro], a verba demorou para sair e atrasou a publicação. Mas o importante é que conseguimos lançar o livro no ano passado, contando com a colaboração de 49 autores.
No livro “História do Rio de Janeiro em 45 objetos” vocês e outros colegas do MHN escrevem sobre itens que estão no acervo do Museu Histórico Nacional. Expliquem pra gente quais são esses objetos e a razão deles terem sido escolhidos em meio a tudo que o museu guarda em relação à cidade…
AM – O MHN é o museu que mais contribui com objetos para o livro (capa). São 11 objetos do seu acervo. Além disso, quatro dos autores são funcionários do museu. Inclusive um dos organizadores, Paulo Knauss, na época era diretor do museu.
Além da Isabel, também organizadora, que escreveu sobre a forma do pão de açúcar, eu escrevi sobre uma terrina do século XIX com a imagem do morro do Castelo, que foi posto abaixo no início do século passado. A museóloga Paula Aranha escreveu sobre a moeda Patacão e o historiador Rafael Zamorano escreveu sobre a trave da execução de Tiradentes.
IL – Gostaria de lembrar também da historiadora da arte Marize Malta, que além de assinar a coordenação conosco, escreveu sobre a vitrine de 1922, uma vitrine art nouveau. Apesar de não ser servidora do museu, muito contribui com a instituição, com suas pesquisas sobre mobiliário.
Esses objetos foram escolhidos pelos organizadores porque representavam algum evento ou época que se queria abordar. Os autores foram convidados a escreverem sobre o objeto já escolhido… Com algumas exceções, dávamos duas ou três opções para o autor escolher. Mas de vez em quando, o objeto era tão especial que ele se impunha…
Pra finalizar, como vocês imaginam que, em um futuro nem tão distante, será contada a história – ou melhor, as histórias – de uma cidade como o Rio de Janeiro, diante de mudanças relacionadas tanto ao crescimento da cidade nas últimas décadas quanto aos próprios suportes, especialmente com tanto conteúdo digital sendo produzido atualmente?
IL – Realmente, a produção de conteúdo digital contemporânea, especialmente nesse tempo de pandemia, é muito grande e é fundamental que se possa arquivar: temos um desafio! Não sabemos se daqui a 50 anos todo esse material vai estar disponível nessas plataformas: há de se pensar… Mas mesmo estas lives deixam alguns vestígios materiais.
Por exemplo, a cantora Teresa Cristina tem um caderno onde ela faz o roteiro das lives… Esse caderno seria muito bem-vindo ao arquivo do MHN! Além das lives, também temos notícias nos jornais e revistas. Você está me dando uma ideia de coletar esse material impresso sobre essas lives…
AM- Bem, ainda sobre a cultura material da pandemia, não podemos esquecer das máscaras. Essas máscaras estão pela cidade fazendo discursos e, com certeza, algumas devem ser musealizadas.
Mas falando em futuro, gostaria de lembrar que estamos fazendo novas pesquisas sobre o acervo no que diz respeito à diáspora africana no Brasil, a exemplo de uma coleção sobre o candomblé.
Também acolhemos uma parte do Museu das Remoções. São vestígios arquitetônicos, escombros das casas que foram derrubadas na Vila Autódromo e doados pelos moradores, que foram removidos dessas casas, de forma violenta e autoritária, no curso das obras de preparação da cidade para receber os grandes eventos esportivos de 2014 e 2016 [Olimpíadas e Copa do Mundo]. Inclusive já estávamos montando a exposição com esse material quando chegou a pandemia.
Para conhecer um pouco sobre a presença da cidade do Rio de Janeiro no acervo do MHN, você pode visitar a exposição digital “Paisagens cariocas”, que traz 30 pinturas que têm a cidade como tema, disponível em nossa pinacoteca. Mais informações sobre o Museu Histórico Nacional podem ser obtidas pelo endereço eletrônico faleconosco.mhn@museus.gov.br.
Texto: Ascom/MHN
Fotos: Divulgação/MHN